Como eu aprendi a nadar…e a falar italiano
Sempre tive vontade de aprender a nadar mas o medo me impedia. Sonhava que morria afogada, que não achava o fundo da piscina e pensava que jamais conseguiria dar um impulso na parede e deslizar suavemente.
O Luiz, meu professor de hidroginástica, pegou no meu pé.
– E aí? Vamos começar as aulas de natação quando?
– Hein? Ah…quando eu entrar de férias.
– E quando é isso?
– Dezembro.
No dia 03, ele me cobrou:
– Já tá de férias? Já é dezembro.
– Ah…dia 5 eu começo.
Com meus óculos novos, fui para a primeira aula aprender a fazer…borbulhas. Difícil demais enfiar o nariz dentro d’água. Mas consegui terminar os exercícios.
Na aula seguinte, exercício com a prancha. O Luiz explicava tudo e dizia:
-Vai!
Eu travava e respondia:
– Não vou!!!
E “São” Luiz, na maior paciência, morria de rir e explicava de novo.
Na 5ª aula, quis desistir. Fui estimulada pela minha filha caçula, à época com 7 anos.
– Você vai conseguir, sim, mamãe; olha, eu te ensino. Você faz assim, ó…e assim…
Não sei bem como – nem por que – fui em frente. Acho que queria provar para mim mesma que era capaz. Ainda que fosse muito…muito difícil entender como pulmões, pernas, pés e braços podiam funcionar em sincronia. Se batia as pernas, engolia água…se movia os braços, esquecia as pernas. Uma doideira!
Só sei que no dia 5 de janeiro…estava nadando! No começo, atravessava a piscina de 25 metros e chegava bufando ao outro lado. Tinha que parar para me recuperar. Aos poucos, fui conseguindo. E hoje, 3 anos depois, nado 1.800 metros, 3 vezes por semana. Nada mal para quem morria de medo de uma simples pranchinha.
Foi assim também com o italiano. Na primeira aula, a professora, à porta da minha casa, disparou: “Ciao, come stai?”. Engatei um sorriso amarelo, balancei a cabeça e fiquei olhando pra ela, sem saber o que responder. A cada novo tempo verbal, eu podia sentir a fumacinha saindo dos meus neurônios. Mamma mia, che paura! Também não sei como, mas, de repente, tudo começou a fazer sentido e eu comecei a escrever, a ler, a entender e a falar. Após 4 anos de estudo, tive que interromper as aulas por falta de tempo. Mas ainda pretendo retomá-las.
Só sei que me dediquei às novas atividades. Muito! Estava sempre na internet, pesquisando vídeos sobre nado de peito, de costas, crawl…Borboleta não, porque acho muiiiiito cansativo. E encontrei uns internautas italianos, que muito me ajudaram no aprendizado do idioma.
E, olha, se eu aprendi a nadar e a falar italiano, acho que qualquer um consegue. Essas e outras coisas, desde que o motor seja a paixão, a dedicação, o envolvimento e o desejo real.
Agora, só não me peçam para aprender alemão. Isso, para mim, já é demais.
E você? O que deseja fazer mas pensa que não consegue?
Learn MorePadecer no Paraíso – texto escrito em homenagem ao Dia das Mães
Levei minha filha mais nova ao pronto atendimento de um hospital infantil. Nada grave, somente dor de garganta e uma obstrução nasal que a impediu de dormir – e a mim também.
Enquanto aguardo o monitor chamar nossa senha, observo. Na sala de espera, muitas mães e alguns pais, com seus filhos de todas as idades. Muito choro infantil, muita inquietação. Mães se levantam e passeiam pelo corredor, na tentativa de acalmar seus bebês. Outros pais conversam entre si, partilhando as dores de suas crianças.
Começo a pensar que, ao nos vir a vontade de ter filhos, não sabemos o que nos espera. Não sabemos, mesmo! Queremos um bebê Johnson’s, bochechudo e risonho, a iluminar nossos dias. Inferimos – muito teoricamente – que trocaremos muitas fraldas, que dormiremos pouco, que não poderemos – por um bom tempo – passar o carnaval em Salvador, que nosso dinheiro acabará antes do final do mês… Sabemos tantas coisas… racionalmente.
Mas nada – nem ninguém – nos prepara, verdadeiramente, para as emoções avassaladoras que brotam do coração quando pegamos nosso pequeno – ou pequena – nos braços.
E para o cansaço ininterrupto que transforma a outrora estável mulher em uma chorona descontrolada.
E entre aleitamento, banhos, noites não dormidas, papinhas, frutinhas e vacinas, vamos rompendo os anos.
E chega a hora de voltar ao trabalho. Babá, escolinha ou vovó?
E o coração não bate mais por si só, pois uma parte dele bate no corpinho de outra pessoa. E enquanto nossos filhos riem, brincam, brigam, somos felizes. Mas basta uma dor, um choro, um machucado, uma falta de apetite naquele que antes comia um boi no almoço e ficamos infelizes. E preocupados. Preocupação essa que se perpetua pela vida afora, principalmente quando irrompe a adolescência e temos a nítida sensação que alienígenas se apossaram das mentes e dos corpos dos nossos filhos, transformando-os em seres irreconhecíveis. Aí é que a gente põe a unha na cabeça, mesmo! “Oh, céus! Por que não me avisaram que meu bebezinho bochechudo se transformaria…nisso? Será que algum dia o terei de volta?”. Não, não o teremos nunca mais. E isso dói!
Para nós, que assumimos a função materna com unhas, dentes, cabelos desgrenhados e olheiras, o filho pode chegar aos 50 anos, mas, mesmo assim, ainda achamos que somos onipotentes e podemos curar suas feridas, suas desilusões amorosas e suas frustrações estudantis – profissionais.
Nada nos prepara para a dor-amor de ter um filho. Não há escola oficial para aprendermos a ser pais. Estreamos no papel tão logo nos nasce o pimpolho. E vamos passando de ano, às vezes com louvor, as vezes em recuperação. Mas nunca somos reprovadas porque, apesar de não fazermos tudo com perfeição, nossa intenção sempre é das melhores. Como diz minha sábia mãe: “Pé de galinha não mata pinto!”.
Apesar disso, muitas vezes temos vontade de comprar uma passagem de ida para algum lugar e, até, de tirar férias da gente mesma. Uma parte de nós deseja ardentemente a liberdade perdida. A liberdade da despreocupação, da cervejinha inocente e das tardes de domingo ressonando no sofá. Mas nos sentimos culpadíssimas por pensar assim. Afinal de contas, quantas mulheres desejam ter um filho e recorrem a métodos não naturais para isso? E nós, aqui – com um, dois ou três seres que carregam nossa carga genética – querendo sair de casa sem ter hora para voltar…
Alguns não dão conta (muito mais pais do que mães): abandonam o ser que geraram e somem no mundo. Seus recursos físicos e psíquicos foram inferiores às exigências da mater/paternidade. Quem pode culpá-los? Todos temos telhado de vidro, portanto, não é recomendável atirar a primeira pedra, sem se inteirar do tamanho da questão.
Para os que ficam, um efeito colateral muito positivo surge desse processo: Passamos a entender e respeitar nossos pais, porque inferimos que eles, também, podem ter passado por todas essas dificuldades que ora experimentamos. Passamos a honrá – los e a agradecer-lhes a vida que recebemos através de seus genes, de suas crenças e valores. E, mesmo aqueles que não conseguem reconhecer o valor dos pais que têm ou tiveram, seja por qual motivo for, não conseguirão se livrar do fato de terem recebido a vida através de determinado homem e determinada mulher. É algo que os acompanhará através das gerações futuras.
É isso: matamos e morremos por um filho, apesar de tanta preocupação, desgaste, cansaço e dores de cabeça e na alma. Como diz o delicado texto de Affonso Romano de Sant’Anna, “Antes que eles cresçam”, (http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto001.shtml), só aprendemos a ser pais quando nos tornamos avós. Porque as exigências da maternidade se contrapõem à doçura da “avozidade”.
Fico por aqui. Chamaram nossa senha…
Ivana Rocha
Psicologia Via Internet
www.escritaquecura.com.br
Carnaval – Quem não usa máscaras?
“Não se pode dizer ao certo a origem das máscaras, mas sabe-se que elas têm uma longa história. Foram usadas como símbolo de comunicação ou de disfarce; serviram para proteger o rosto de guerreiros em combate e como enfeites religiosos.
Já representaram o bem e o mal, divindades, espíritos e deuses. Até mesmo já foram artigos de luxo nos salões europeus e consideradas como jóias preciosas. Já foram de ouro, aço, pano, papel e até de couro de animais.
Permitiam aos atores de teatro a apresentação de vários personagens em um único espetáculo. Aliás, a própria palavra “pessoa” vem de “persona” que era o nome da máscara que os atores do teatro romano usavam. Sua função era tanto dar ao ator a aparência que o papel exigia, quando ampliar sua voz permitindo que fosse bem ouvida pelos espectadores. Por extensão, designa um papel social, ou a máscara ou aparência que uma pessoa apresenta ao mundo.
E, é no carnaval que ela encontra seu auge, pois durante os dias de folia as pessoas se permitem, ao usá-las, vivenciar algumas fantasias e representar papéis diferentes dos seus no dia-a-dia.
Mas, será que é só no carnaval que se usa máscaras?
Quem não usa máscara no dia-a-dia?
Quem nunca se pegou agindo de modo disfarçado? Lembra-se daquela vez que você disse que foi “um prazer” conhecer ou encontrar determinada pessoa e na verdade foi tudo um grande desprazer? E, durante uma entrevista de emprego onde você extremamente nervoso, tenta aparentar calma e controle da situação?
Pois é, todos nós usamos máscaras de vez em quando e podemos dizer que, até certo ponto, usá-las torna nossa convivência mais tranqüila, nos proporciona ganhos, evita situações desagradáveis e em muitas ocasiões, tornam-se até necessárias à nossa sobrevivência social.
Entretanto, precisamos ficar atentos, pois, muitas vezes exageramos na dose. Insistimos em usá-las indiscriminadamente em nome da manutenção da paz, harmonia e felicidade, só que dos OUTROS.
Vivemos num mundo que insiste em nos padronizar, nos modelar e quando nos damos conta, estamos infelizes, pois passamos a priorizar o que os outros esperam de nós e nos esquecemos de nós mesmos.
Levantamos de manhã, colocamos nosso falso figurino, incorporamos nossas máscaras e seus respectivos papéis e assim vamos para o nosso cotidiano tentando nos adequar a um modelo pré-estabelecido e fazer parte da maioria.
E, assim vamos vida afora, colocando nossas máscaras: A da felicidade e sorrisos quando na verdade queremos chorar, não nos dando a oportunidade de tomar consciência dos próprios sentimentos.
A de empresários (as) de sucesso, mesmo que por dentro estejamos nos sentindo vazios.
A da saúde perfeita, mesmo estando doentes físicas ou emocionalmente, impedindo-nos de buscar ajuda com algum profissional.
Ou a de doentes agindo como mendigos afetivos pedindo carinho e atenção.
A de mulheres maravilhas tentando bravamente sermos excelentes em tudo o que fazemos, não nos permitindo errar em hipótese alguma.
A de vítimas permitindo abusos, ouvindo insultos e permanecendo mudos, estáticos e infelizes.
Você percebe o quanto são infinitas as nossas máscaras? A cada uma que usamos assumimos comportamentos inerentes a ela, mas nem sempre representam o nosso verdadeiro desejo.
Nos armamos como se fossemos gladiadores modernos num grande batalha. Buscamos desesperadamente o melhor posto dentro de uma empresa, fazer o que a maioria faz, temendo sempre que logo ali na esquina da vida, apareça alguém melhor capacitado e que ganhe de nós uma disputa que talvez nem nos traria felicidade.
É obvio que buscar, progredir, almejar, lutar pelo melhor é muito saudável e faz parte da natureza humana, mas a que preço? Em que grau?
Acredito que os extremos são sempre perigosos, buscar faz parte da vida sim, mas viver apenas em função desta busca é um convite à depressão, à ansiedade, à frustração e àquele sentimento de inadequação constante que permeia nossas vidas quando não estamos agindo em conformidade com nossos mais puros sentimentos.
Quando nos acomodamos às nossas máscaras, deixamos de nos conhecer, atuamos como personagens em tempo integral, apenas hóspedes do nosso próprio corpo. E, corremos o risco de vivermos uma vida inteira sem jamais descobrirmos nossos valores e competências.
Parece que nesta busca insana em enquadrar-se nem nos questionamos mais se estamos sendo autênticos e agindo de acordo com nossos desejos. Aliás, quando nos perguntam quais são nossos verdadeiros desejos, precisamos parar para pensar e até lançar mão de algum esforço mental no sentido de localizá-los em nossos porões do esquecimento.
Dentro da minha vivência profissional encontro pessoas que me dizem que não sabem exatamente porque se sentem infelizes ou depressivas, alegam ter o que necessitam e que mesmo assim ainda se sentem tristes. Relatam ainda que em muitos momentos almejam ferozmente determinadas aquisições, sejam materiais ou não, e que quando as conseguem entram em profunda frustração. Tal qual aqueles cães que latem desesperadamente para as rodas dos carros, mas que, quando os carros param não sabe o que fazer!
Entretanto, se a sociedade insiste em nos enquadrar, a vida insiste em ser autêntica e descortinar.
Com o tempo nossas máscaras começam a desgastar-se, a desajustar-se do nosso eu e inutilmente tentamos repará-la disfarçando as rachaduras.
Proponho então que, ao invés de investirmos energia tentando “consertá-las”, que utilizemos esta mesma energia num processo de autoconhecimento buscando cada vez mais a autenticidade do nosso ser.
Dentre tantos desafios que temos na vida, talvez seja este o maior de todos, o de tirarmos nossas máscaras e sermos nós mesmos.”
(Texto de Sílvia Rodrigues)
Learn MoreDiferenças entre o falar e o escrever
Escrever é emprestar as mãos à nossa alma para que ela possa falar
A orientação psicológica on line pode ser prestada de forma assincrônica (e-mail) ou sincrônica (chat ou webcam/voz).
Falar e escrever têm, ambos, efeito terapêutico porque propiciam algo que os psicólogos chamam de catarse, ou, na linguagem coloquial, um desabafo, um desafogo. Tal fato provoca um esvaziamento do psiquismo, capaz de abrir espaço para algo novo, refletido e, possivelmente, mais elaborado.
O que pode haver de diferente entre o falar e o escrever é que, no segundo caso, as pessoas traduzem emoções em palavras e estabelecem nexo e cronologia aos fatos. Expressar no papel – ou na tela do computador – as próprias experiências negativas parece aprimorar a percepção da pessoa a respeito de si mesma e dos acontecimentos que a cercam, pois a escrita “ensina” a mente a pensar de forma mais complexa e articulada. É como se, ao serem colocados no papel, desejos, necessidades e emoções se tornassem mais claros. E há, sempre, a possibilidade de se retornar ao que se escreveu, lapidando, ratificando ou revendo os próprios pensamentos e traçando novas diretrizes para a vida. É bastante comum àquele que escreve, reler posteriormente seus textos e dizer: “Naquele dia estava me sentindo muito mal, já melhorei, agora. Não penso mais daquela maneira”. Isso denota capacidade de reflexão e avaliação acerca dos próprios problemas, o que poderia ter resultados diferenciados em caso de uso – somente – da palavra falada.
Learn MoreSobre Narciso, espelhos e eleições presidenciais
Dizem que tudo na vida passa. Até a uva “passa”. Passou a Copa do Mundo… Passaram as eleições… E, independente do resultado, de alívios e frustrações, de temores e indignações, gostaria de me deter em uma frase da música Sampa, de Caetano Veloso: “Narciso acha feio o que não é espelho”.
O que vimos nas redes sociais, nas revistas e jornais foi uma verdadeira guerra entre azuis e vermelhos. Não quero discutir, aqui, ideologia política nem descontentamentos e revoltas com a forma de governar, nem corrupções e mensalões. Repito: Não é isso que quero discutir! Esse tipo de assunto já foi exaustivamente comentado. Gostaria de ir um pouco mais além, naquilo que o ser humano tem de singular, mas, também, de grupal. Estou falando daquilo que Freud expôs em “Psicologia de Grupo e Análise do Ego”, livro no qual evidencia o aparente contraste entre a psicologia individual e a psicologia social. Individualmente, o ser humano reage de uma determinada maneira; quando amparado pela massa, pode mudar seu comportamento, devido aos processos de sugestão e influência de um líder. Resumindo: eu penso “assim”, mas, desde que haja forte mecanismo de sugestão das pessoas ao meu redor e fascinação por alguém que encarne aquilo que eu julgue que vai me salvar das desgraças da vida, caio em uma espécie de hipnose e passo a pensar “assado”. E começo a achar feio, desprezível, caquético aquele que pensa diferente de mim. Como diz Caê, “chamei o que vi de mau gosto, mau gosto…” É por isso que Atleticanos brigam com Cruzeirenses e vice-versa. E poderíamos citar inúmeros outros exemplos…
Não foi o que vimos nas redes sociais? Não é o que ainda estamos vendo? O “Brasil do Sul” revoltado com o “Brasil do Norte”? Os ânimos inflamados a pedirem a separação da Federação e o preconceito explícito com aqueles que são julgados como inferiores? É exatamente isso que fazemos quando encontramos quem pensa e age diferente de nós, pois os iguais nos dão a sensação de que – sim – estamos certos! Sim, nossa maneira de pensar é a mais correta que existe! Os iguais nos dão a sensação de pertencimento a um grupo e isso é essencial para a nossa sobrevivência na civilização. Mas também é essencial que respeitemos a alteridade de quem está ao nosso lado. Afinal de contas, cada um de nós tem sua biografia, única e exclusiva, e só podemos olhar com condescendência para o outro se houver empatia. Conforme o pequeno trecho atribuído a Clarice Lispector (Não posso confirmar a autenticidade da autoria): “Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter… calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar. Cada um tem a sua própria história. Não compare a sua vida com a dos outros. Você não sabe como foi o caminho que eles tiveram que trilhar na vida.”
Que saibamos respeitar nossa história de vida, assim como os caminhos percorridos por nossos semelhantes, ainda que sejam diferentes de nós.
Abraços
(texto escrito por ocasião das eleições presidenciais de 2014)
Learn MoreO homem no CTI
Tentou abrir os olhos. Uma névoa fina dançava a sua frente. Vozes, murmúrios indecifráveis, passos apressados… E aquele pim-pim-pim, contínuo e rítmico, ferindo-lhe os ouvidos. Doía-lhe o corpo todo e o cheiro de borracha daquele cano, dentro de sua garganta, o nauseava. Tentou lembrar-se de onde estava. Retornando pelo túnel da memória, deu-se conta de que deveria ter sido operado e, portanto, deveria estar num CTI. Ou poderia, também, estar no céu. Não… aquele tormento assemelhava-se mais a um lugar subterrâneo… Voltando ainda um pouco , com dificuldade lembrou-se dos exames feitos e do diagnóstico médico: um baita entupimento numa artéria importante. Teria que “entrar na faca”. Consequência mais que natural para quem trabalhava 16 horas por dia, almoçava sanduíche e fumava 2 maços de cigarro. Ajudaram, também, as brigas em casa, a insônia e a agressividade no trânsito. E o ego jazia, agora, golpeado: afinal de contas, não havia sido sempre voluntarioso e autossuficiente? Estava ali…impotente, dolorido e à mercê dos outros…
Dois anos depois, dia ainda por nascer, o homem faz seu preparo para a São Silvestre. O tórax exibe uma grande cicatriz, mas ele parece não se importar. Afinal, aquele era o seu divisor de águas, o antes e o depois do quase fim de sua vida. O homem do CTI havia emagrecido 14 kilos, deixara de fumar e se descobria atleta. Além disso, procurara um psicólogo e se surpreendia, cada vez mais, com as revelações brotadas do inconsciente. O futuro tinha aroma de dama-da-noite…
Learn MoreAproveita a sua vida, minha filha!
Ela era uma senhora idosa e a conheci no centro geriátrico no qual morava há 5 anos. Na primeira vez em que conversamos, notei que destoava do lugar: era culta, havia sido professora, falava um português correto e conhecia algumas pessoas influentes da cidade. Por isso mesmo tinha um “quê” de esnobe. Nesse dia, conversamos em italiano, idioma que é minha paixão e que ela, como boa descendente, havia aprendido com os avós. Não havia se casado, não tinha filhos e lamentava-se frequentemente por viver ali. Quando me despedi, ela me olhou profundamente, com um misto de amargura e desaponto, e disse:
– Aproveita a sua vida, minha filha!
Foi somente uma frase, mas renderia alguns dias de conversa.
Fiquei pensando em como deve ser doído e frustrante se chegar a um determinado ponto da vida, de onde não se tem mais retorno e perceber que não se fez o que se queria, não se amou como se devia, não se viveu como se esgotaria. E agora, ela não tinha mais tempo. Tanto que partiu alguns meses depois.
Às vezes, quando a vida tenta me soterrar, fico me lembrando da sua figura, sentada sempre no mesmo lugar, as cores das roupas sempre combinando e um eterno olhar carente a pedir atenção. Nessas horas, lanço fora tudo o que é periférico na minha vida e me concentro naquilo que é realmente importante: as boas trocas afetivas, sejam elas quais forem. Acredito que não haja jeito melhor de aproveitar a vida.
Learn MoreOs nossos medos de cada dia
Tenho um amigo médico, cirurgião geral. Como tal, literal e simbolicamente, ele passa o bisturi em tudo o que é desnecessário. Não sofre com o que não tem necessidade e é muito prático e objetivo em seus comentários e atitudes.
Dias atrás, eu lhe contava do meu desconforto em viajar de avião. Até por ser uma mulher alta, me sinto incomodada, apertada e abafada entre aquelas poltroninhas. Sinto frio na barriga na hora da decolagem e acho que matei todas as aulas de física, pois não consigo entender como um trambolho daquele tamanho consegue alçar voo. Acontece que amo viajar e não deixo meu medo me paralisar. Vou com medo, mas vou! Porém, gostaria muito de resolver, de uma vez por todas, essa situação. Gostaria muito de, embriagada pela adrenalina, fazer paz e amor e gritar “Uhuuuu…Vamos decolar!!!”. Mas não é assim que acontece. Meu amigo cirurgião ouviu atentamente e disparou: “Por que você não escolhe outro objeto para ter medo? Por exemplo, um canguru. Assim, você decide que nunca vai à Austrália e pronto. Problema resolvido.”
Desatei a rir.
À uma amiga, psicóloga, cujo filho pequeno sofre com alguns terrores noturnos e vai se alojar na cama dela, ele sugeriu: “Faz o seguinte: deixa ele dormir na sua cama e vão, você e seu marido, dormir na cama dele. Fala pra ele: você fica aí e eu e seu pai vamos dormir na sua cama, com o bicho que tem lá”. Não é preciso dizer que caímos na gargalhada.
Em tese, o medo é vital para nossa sobrevivência, não nos deixando arriscar além do necessário. Sabemos que pode ser fatal atravessar a rua com sinal aberto para os carros e passear na praça às 3 da madrugada. Melhor evitar!
Mas fiquei pensando nos medos exagerados e nas crenças limitantes que temos e como eles nos causam sofrimentos e podem impedir nosso desenvolvimento. Não que seja tão fácil, assim, resolvê – los, mas acho que tendemos a hipervalorizá – los e, assim, eles viram fantasmas imensos a nos assombrar.
Temos medo de falar com desconhecidos, de mudar de emprego, de mudar de relacionamento, de amar, de falar com mais autoridade com nossos filhos, de ficar sem dinheiro, de receber um “não”, de sair na chuva, de dirigir, de engordar, de ficar doentes… Enfim, enquanto temos tantos medos, a vida acontece. E, quando nos damos conta, o melhor já passou, sem que tenhamos vivido, mesmo, tudo aquilo a que fomos destinados. E, como diz o poema, erroneamente creditado a Jorge Luis Borges (Se Eu Pudesse Viver Minha Vida Novamente), talvez, quando abrirmos os olhos, não dê mais tempo.
E não adianta nos precavermos tanto, tomarmos todas as providências para caminhar assépticos por esse mundo. Porque, muitas vezes, mesmo com termômetros, guarda-chuvas e paraquedas, a vida nos puxa o tapete. E nos vemos exatamente naquela situação que queríamos tanto evitar.
Cabe – nos achar uma saída para nossos fantasmas, que pode ser olhar de frente e dialogar com eles. Tentar entender o que eles querem tanto nos dizer; ou, mais amplamente falando, pedir ajuda profissional para enfrentá-los; ou, talvez, quem sabe, amputá-los cirurgicamente. Ou seja, ir com medo, mas ir sempre. Ou, então, viveremos presos dentro de nosso imaginário hipertrofiado e não condizente com a verdadeira realidade.
Queremos isso para nossa vida?
Learn MoreSerá Que Eu Preciso de Atendimento Psicológico?
Pelo olho mágico vi o rapaz alto, bem vestido, expressão algo desconcertada. Abri a porta, cumprimentei-o, convidei-o para entrar e se colocar à vontade. Esperei.
– Na verdade, não sei o que estou fazendo aqui… quer dizer…sei sim…só não sei se é aqui que eu deveria estar…tenho dúvidas…a fulana, que você conhece e é minha amiga, me disse que seria bom se eu pudesse consultar um psicólogo.
– Mas você parece que não está muito certo disso. O que é que está acontecendo?
Ele suspirou profundamente, revirou os olhos e começou:
– Bom, na verdade… sabe como é…essas coisas que todo mundo tem…esses probleminhas…é…não…o que está acontecendo…deixa eu falar de uma vez…é que está tudo confuso, tudo nublado. Bem… eu trabalho numa empresa há 4 anos e meio, minha função é de gerente. Há algum tempo meu nome foi cogitado para uma promoção e eu punha fé que ganharia o cargo. Porém, na hora “H”, fui preterido em favor de um outro colega, que, a meu ver, tinha menos qualificações do que eu. Meu chefe me deu um “feedback”, me disse que eu era um excelente funcionário, tinha especialização, mas precisava me instrumentalizar mais, daí me aconselhou a fazer um MBA. Muito bem, eu fui, fiz o curso e agora, novamente, fui cotado para outra promoção e, mais uma vez… ela me escapou. Dessa vez me incomodou mais porque ninguém me explicou o motivo e percebo um certo constrangimento por parte do meu chefe. Eu sou um cara que trabalha muito, demais, eu esqueço até de comer. Se precisa chegar mais cedo, eu chego, se precisa ficar até tarde, eu fico, se precisa trabalhar no fim de semana, eu trabalho. Eu nunca digo não, sou sempre disponível, dou o sangue. Não entendo porque isso aconteceu de novo.
– Talvez por isso mesmo, por causa da sua excessiva disponibilidade.
Ele me olhou de um jeito interrogativo, como se só houvesse compreendido a metade da verdade.
– E daí que estou desanimado, perdi toda a motivação. E o pior é aguentar os colegas me perguntando o que é que houve. Como eu vou responder se nem eu mesmo sei a resposta?… E tem outra coisa: tenho 38 anos, fui casado duas vezes. Ou melhor, fui casado uma vez, me separei e agora estou casado de novo, pelo menos por enquanto. Antes, fui seminarista. Estive no seminário por 2 anos até entender que não era a minha verdadeira vocação. Aí, conheci minha primeira mulher. Fiquei casado por 5 anos, só que comecei a perceber que ela estava ficando apática, não queria mais sair, viajar, parecia que não me queria por perto. Perguntei o que estava acontecendo e ela sempre com evasivas, até que não deu mais e a pressionei. Ela me disse que havia se apaixonado por outro e queria terminar o casamento. Fiquei arrasado… não entendi nada…afinal de contas, eu achava que era um bom marido. Me preocupava com ela, mandava flores, pensava sempre no seu bem estar. Na minha cabeça, se havia me casado, seria para sempre. Fiz de tudo para o casamento não acabar, até por causa da religião. Mas aí… a vida continua… Depois de um tempo, conheci essa moça, com a qual estou há 7 anos. No começo foi difícil para mim, porque eu ainda era ligado na outra e tem a coisa do casamento único, indissolúvel. Mas aí a gente acabou se dando bem, ou melhor, se dava bem. De um tempo pra cá, comecei a achá-la meio estranha, com mais ou menos os mesmos sintomas da outra. Meu alarme acendeu e eu me preparei para o pior, só que não esperava ouvir o que ela disse: “o seu problema é que você é muito bonzinho, muito solícito. Você quer tanto agradar que acaba ficando enjoativo, perde a graça, entende?” “Não, eu não entendo. Mas afinal de contas, o que é que você quer, quer que eu passe a te bater, então?” disse eu a ela. “Quero mais energia, mais emoção, não quero ficar com um sujeito que diz amém para tudo que eu falo. Já tem um tempo que venho sentindo que nossa relação não dá mais, mas fiquei com pena de você. Afinal… você é tão bonzinho.” Dá pra entender? Ela não me quer mais porque eu sou bonzinho! E acho que ela foi muito cruel comigo, precisava me falar dessa maneira?
– Você conversou com alguém sobre essas coisas, contou o que estava sentindo?
Ele deu um meio sorriso irônico:
– Conversei com a fulana, sua conhecida. Contei o que houve. Só isso. Na verdade os homens apenas relatam o que lhes acontecem, nós não falamos sobre o que estamos sentindo. Acho que não sabemos fazer isso. Mas o que mais está me intrigando é o porquê desses filmes estarem passando de novo na minha vida. Será que eu preciso de atendimento psicológico?
– Acredito que um atendimento psicológico sirva para as pessoas que estão sofrendo, não conseguem entender o porquê e se sintam sem instrumentos próprios para lidar com isso e resolver seus problemas. Você acha que se encaixa nessa situação?
– Certamente. Mas tem uma outra coisa: como eu disse antes, fui seminarista e trago comigo muitas coisas desse tempo. Eu sou católico praticante, vou à igreja e leio a Bíblia regularmente. Já dei muito duro na vida, sou de família humilde, já passei por muita coisa e consegui superar vários problemas, com a ajuda de Deus. Não consigo admitir que tenha que buscar ajuda fora da igreja. Acho que Deus tem o poder de me curar, isto é… eu não estou doente, mas através da oração, sei que Deus tem o poder de me clarear os pensamentos e me fazer achar as soluções adequadas. Será que eu preciso mesmo de atendimento psicológico?
– Se você lê a Bíblia deve saber o que está escrito em Eclesiástico 38.
Ele me olhou em silêncio, daquele jeito estranho e interrogativo. Abriu a pasta de couro e tirou de dentro a Bíblia. Leu o capítulo, deu um sorriso e disse:
– Ok, entendi. Você está querendo me dizer que os médicos são instrumentos que Deus usa para curar as pessoas?
– Não só os médicos, mas os profissionais da área de saúde, em geral. O que quero mesmo dizer é que Deus cura, sim, mas você vai ter que fazer sua parte, ajudado, óbvio, por um profissional. Pense bem: se você soubesse a exata localização de um tesouro, certamente iria até lá, cavaria a terra, se cansaria, suaria, sujaria as mãos e as unhas mas, no final, desenterraria o tesouro, não é verdade? Pois bem, o trabalho psicológico é assim: você pode viver muito melhor do que está vivendo, mas vai ter que arregaçar as mangas e botar a mão na massa. Vai ter que entender e assimilar os motivos que te levam a ser tão disponível e, com isso, acabar atraindo o desrespeito dos outros. Vai ter que falar sobre a culpa que você sente por ter se separado e casado de novo. Além do mais, quando você compartilha um problema, passa a ter meio problema. Compartilhar ajuda a aliviar a carga emocional e o sofrimento porque os vínculos de ajuda têm um poder curativo. É mais fácil superar o sofrimento através de uma relação autêntica de respeito mútuo do que sozinho. A relação terapêutica é uma relação de ajuda, de compreensão e apoio. O psicólogo é um outro, com o olhar e a perspectiva de um outro, o que ajuda o cliente a ver a sua própria vida de um modo diferente, de um ângulo que sequer havia pensado antes e nem suspeitava ser possível.
À medida que falava, fui notando seu semblante se desanuviar.
– Tem ainda a questão do tempo: se você tem uma amigdalite, toma um antibiótico por 5, 7 dias e logo passa. Aqui, porém, lidaremos com o que você tem de mais profundo, íntimo e precisamos ter uma certa delicadeza nesse tratamento. Por isso esse processo é lento, porque não lidamos com o tempo cronológico, lidamos com o SEU tempo interno. Consegui me explicar?
Ele assentiu.
– Muito bem! Então podemos marcar para a semana que vem, no mesmo horário?
– Claro, com certeza.
– Ótimo! – disse eu, já me levantando – Afinal de contas… Eclesiastes, capítulo 11, versículo 4.
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