Hierarquia das Necessidades Básicas
Abraham Maslow foi um psicólogo americano, autor da Teoria das Necessidades Básicas que, através da representação em uma pirâmide, propunha que as necessidades fisiológicas estariam na base de outras: segurança, afetividade, estima e realização pessoal. Nessa ordem, uma necessidade só poderia ser satisfeita se a anterior fosse concretizada. De um modo muito prático e simples, se você estiver lendo esse texto enquanto seu estômago ronca de fome ou se estiver apertado para ir ao banheiro, a probabilidade de entender qualquer palavra escrita aqui aproxima-se de zero.
Acabo de voltar de três semanas de férias em Portugal. Rodei o pequeno GRANDE País de sul a norte. Foi minha primeira vez por lá e posso resumir minha viagem em uma frase: tranquilamente, poderia morar em terras lusitanas. Não sou ingênua e sei que uma viagem descontraída e sem maiores compromissos não retrata o cotidiano de um morador. Mas encontrei um País muito parecido – e muito diferente – do nosso Brasil. Parecido naquilo que se configura como uma das três origens do povo brasileiro. Diferente naquilo que tange às necessidades básicas.
Em pouco mais de 15 dias, em todas as cidades, não vi absolutamente ninguém varrendo as ruas. Mas elas amanheciam limpas, o que levou-me a cogitar que a limpeza seria feita à noite; ou que, então, são utilizados carrinhos-varredores, com vassouras enormes, capazes de fazerem brilhar as vias em apenas 1 hora; não vi nenhuma grade em nenhuma janela e, muito menos, cercas elétricas nas casas, cujos muros não oferecem resistência à uma criança de 5 anos; não vi os carros acelerarem para cima do pedestre desavisado que atravessa a rua. Pelo contrário, parada na calçada, admirando a arquitetura local, ao olhar para os lados, verificava que os veículos se detinham, esperando a minha decisão de mudar de passeio. Os trens, limpos e confortáveis, nos levaram às cidades próximas em pouco tempo, sem qualquer atraso ou complicação; As estradas são tapetes, o que permite que os carros andem a cerca de 150 km/h (Virgem Maria, toma conta!); Minha filha que, como toda adolescente, ama um celular, pôde ligar o GPS e trazê-lo às mãos continuamente, sem se preocupar com os larápios nativos (Sim, eu sei que, em todos os lugares, eles existem. Mas não demos o azar de encontrá-los por lá). Não vi pichações nos diversos monumentos; vi tranquilidade e fluidez nas grandes filas que levavam a museus e castelos medievais; os policiais, nas ruas, são poucos, a despeito do grande número de turistas de todo o mundo. Em suma – repito – posso morar por lá, até porque comi e bebi muito bem e o custo de vida assemelha-se muitíssimo ao da minha cidade.
Voltei saudosa e reflexiva. As viagens têm esse poder sobre mim, não interessam se vou para Portugal ou para o sítio de amigos. Mas voltei com um “quê” de indignação e tristeza. Não temos segurança, não temos trens confortáveis, não temos arquitetura sem pichação e ai de nós se exibirmos o celular. Provavelmente, será surrupiado de nossas mãos. Podemos argumentar que cabem centenas de Portugais” dentro do Brasil, que é extremamente difícil administrar um País com essa metragem territorial. Podemos argumentar tantas coisas, em defesa do Brasilmas essas argumentações caem por terra quando nos levantamos e pegamos um ônibus entupido de gente afoita, às 6 e meia da manhã; quando vemos que os carros não nos dão passagem, ainda que nossa seta esteja piscando e nossa mão fora da janela, solicitando a gentileza matutina; quando verificamos que os papéis entopem os bueiros, que transbordam em épocas de chuva, causando transtornos consideráveis; quando não conseguimos empurrar um carrinho de bebê ou uma cadeira de rodas pela calçada porque os inúmeros buracos não permitem. E você, querido leitor, pode agregar mais quando…” à minha lista, se desejar. Eu fico por aqui.
Então, há que se pensar: se não temos nossas necessidades mais básicas garantidas, como poderemos almejar galgar o patamar superior? Como pensar em realização profissional se sacolejamos 2 horas dentro de um ônibus lotado? Que cansaço e irritação permite isso? Não tenho resposta pronta, mas tenho certeza de que podemos influir muito mais no nosso microcosmos do que no macro. Então, quando ensino às minhas filhas que o lixo deve ser posto no lixo, que os gatos” de internet são imorais e ilegais e que não devem usar a senha do amigo para assistir Netflix, estou fazendo minha parte; quando levanto a minha voz para exigir meus direitos no supermercado ou na papelaria (e elas morrem de vergonha de mim), estou dizendo que cumpro fielmente com aquilo que se espera da minha pessoa mas, em contrapartida, quero ser respeitada como cidadã. Não quero me deparar com pichações (Sim, João Dória Jr, concordo com você), enfeiando nossos poucos monumentos; não quero conviver com gente sem educação, que olha para seu próprio umbigo, antes de pensar na coletividade. Não quero muitas coisas e desejo tantas outras, tão simples, mas tão capazes de elevar nossa qualidade de vida. Quero as praças limpas, as crianças correndo alegres, minha mochila às costas, sem qualquer receio dos inimigos do alheio; quero gentileza e amorosidade; quero honra e respeito.
Não tenho ideia se conseguiremos, algum dia, a metade do que o europeu já tem, há muito tempo. Bert Hellinger, o sábio criador das Constelações Sistêmicas (http://psicologia.es…r/constelacoes/), já anunciou que o Brasil só se erguerá, como Nação, no dia em que brancos, negros e índios forem honrados e respeitados, como os alicerces do povo brasileiro. Fazemos piadas com os portugueses (desconhecendo que estão muito à nossa frente), subjugamos os negros e consideramos os povos indígenas como seres inferiores (“Pô, cara, isso é programa de índio o que você me arrumou!). HONRA E RESPEITO. Começa por aí.
Na época da ditadura, a frase que vigorava era: “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Não sei se fico no Brasil, não sei se me mudo para o calor do Algarve. Ainda tenho algum tempo para pensar nisso. O que desejo é poder, pelo menos, pensar com suavidade na Pirâmide de Maslow e sentir, de todo o coração, que é possível habitar lugares mais belos.
Learn MoreA lei de Gérson e o Superego de Freud
Há alguns dias, conversava com a dona de um restaurante e fiquei boquiaberta com os episódios por ela relatados. A senhora em questão sabe que administrar o próprio negócio requer investimento maciço, seja de dinheiro, de elaboração de estratégias ou de tempo. Trabalhando de domingo a domingo, ela, junto com a família, garante uma sobrevida longa ao empreendimento, mesmo no Brasil da crise. Mas o que me surpreendeu nessa conversa foram os exemplos de clientes fiéis à Lei de Gerson. Para quem não sabe, Gerson foi um futebolista brasileiro que protagonizou um comercial de cigarros, no qual ele bradava, enaltecendo o produto anunciado: “É preciso levar vantagem em tudo, cerrrrto?” Levando ao pé da letra o conselho gersoniano, os clientes da minha interlocutora são mestres em se servir de torresmo, linguiça e outros e, ao pesar o prato, juram, de pés juntos, que tais alimentos não se enquadram na categoria de petiscos. Na opinião deles, é comida normal e, portanto, devem pagar mais barato.
Também é comum o caso de clientes que se servem, primeiramente, de churrasco e, depois, voltam às guarnições, tentando encobrir a carne com arroz, feijão e salada. Ao chegar à balança, depõem o prato sobre aquela que acusa o valor mais baixo. A dona os interpela:
– Senhor, é nessa balança aqui.
O cliente bate na testa e diz:
– Nossa! Esqueci que pus churrasco.
Hum…”esqueci”…
E o que dizer das crianças que derramam no prato todos os sachês de maionese, ketchup e mostarda e se distraem com seus desenhos na massa vermelho – amarelada? Cadê os pais desses pirralhos que não impedem tamanho desperdício?
E por falar em pais, o que será que pensa a mãe que esbraveja porque a filha – uma menina alta de 12 anos – não pode brincar no playground destinado às crianças de até 9? Fuzilante, a mãe dispara:
– Minha filha vai brincar aí, sim!
Enquanto a proprietária me contava essas e outras coisas, minha boca abriu e me esqueci de fechá-la. Meus olhos se arregalaram e eu me pus a pensar: onde estão a educação, a gentileza e o senso crítico de pessoas que deveriam, teoricamente, dar o exemplo, uma vez que tiveram acesso aos estudos? Será que mais cultura define educação ou sabedoria? Evidente que não! A educação, a elegância interior pressupõem um conceito mais amplo de respeito e preocupação com o outro. A sabedoria…ah!…já, essa, demanda disponibilidade para o aprendizado diário que a vida nos proporciona. E não é muita gente que, nessa ainda sociedade escravagista, se dispõe aprender.
Muito já se falou sobre o “jeitinho brasileiro” que, dependendo, pode contar a nosso favor. Mas que torna-se cruel quando se lesa o outro porque se acha a última bolacha do pacote, o filho único da mãe viúva e os reis/rainhas da cocada.
Nós, brasileiros, não passamos pela dureza das guerras, que resultam nas vidas e edificações destruídas e nos espasmos estomacais da fome. Portanto, o inconsciente coletivo acha legítimo brincar com sachês de mostarda, sem refletir que cada um deles, por menor que seja, envolveu uma ampla gama de funcionários, de tempo, logística e investimento financeiro. De novo, falta respeito pela coletividade.
E o respeito pela coletividade passa diretamente pelo conceito daquilo que Freud denominou de Superego. De acordo com a segunda teoria freudiana do aparelho psíquico, esse termo caracteriza o conjunto das forças morais inibidoras que se desenvolvem sob a influência da educação durante o processo de socialização. A socialização primária ocorre na família. Porém, se a criança não é conduzida por um adulto maduro e responsável, que lhe impõe os devidos limites, a tendência é que passe a vida dando pequenos – ou grandes – golpes e se julgando superior e sábio frente à aparente idiotice alheia. E, em não se tendo um Superego eficaz, a perpetuação das mesmas condutas se fará presente nas gerações futuras. Teremos, então, o alastramento do ditado “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, entranhado maciçamente na classe política brasileira. E esses mesmos dribladores dos valores morais sairão às ruas para exigir o fim da corrupção. Seria cômico, se não fosse trágico!
É altamente incongruente não alinhar nossos pensamentos, sentimentos e ações, seja no público, seja no privado. Portanto, para quem sofre de agenesia (Falta de desenvolvimento, desde a vida embrionária, de um órgão ou tecido, segundo o dicionário) de Superego, é vital o firme limite imposto, seja pela dona do restaurante, seja pela justiça, seja pela polícia. Seja por mim ou por você. E sempre resta a esperança de que essas instituições governamentais não se percam em si mesmas e tenham força para inibir todos os atos infracionários. E que eu e você também saibamos validar os valores morais mínimos e máximos tão necessários à sobrevivência da sociedade.
Learn MoreVício Virtual
Segundo dados da web (é só dar um Google no próprio Google e verificaremos a veracidade das informações), a internet chegou ao Brasil em 1988, por iniciativa da comunidade acadêmica de São Paulo (FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Rio de Janeiro – UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica). Portanto, está completando 29 anos em terras brasileiras.
De lá pra cá, evoluímos, em termos de comunicação, muito mais do que nas centenas de anos passados. Basta lembrar que, em 1822, D. Pedro I separou Brasil de Portugal, após receber uma mensagem de José Bonifácio de Andrada e Silva e que aquela, certamente, deve ter levado vários dias para chegar às margens do Riacho Ipiranga, em São Paulo. Não posso deixar de imaginar – e sorrir – ao pensar que, nos dias de hoje, D. Pedro teria proclamado a nossa independência com um “click” no mouse.
Porém, a facilidade de conexão atual traz consequências que devem ser pensadas, repensadas e analisadas, sob a ótica da semeadura: se desejamos colher maçãs, devemos pensar em semear sementes de maçãs. Explico: as vantagens internéticas são inúmeras e não serei redundante em nomeá-las. Eu mesma usufruo delas, atendendo clientes em várias partes do País e do mundo. Mas, e quando os malefícios se sobressaem? Vejamos alguns: A Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (UFMG), através do Departamento de Saúde Mental e do Ambulatório de Dependências Químicas do Hospital das Clínicas, realizou uma avaliação do risco de dependência de smartphones em estudantes universitários.
A pesquisa foi feita entre 2014 e 2016, com 415 alunos da UFMG e cada um deles respondeu a um questionário com 26 itens relacionadas ao uso de celular, como, por exemplo “Eu me sinto inquieto e irritado quando não tenho acesso ao smartphone” ou “Em mais de uma ocasião, eu dormi menos que quatro horas porque fiquei usando o smartphone”. Quem marcou sete ou mais questões como sim, tem alto risco para dependência e deveria procurar ajuda profissional.
O que acontece é que o contato virtual provoca estímulos que atingem o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina, o neurotransmissor que provoca prazer. Como consequência, há a necessidade de repetição do comportamento, em busca dessa sensação de alegria e contentamento ou para afastar sentimentos negativos, como solidão, tristeza e ansiedade. Como dizia Freud, o aumento da tensão é sentido como desprazer na mente humana e o prazer surge da diminuição/alívio da tensão. Assim, a mente humana tende a afastar o desprazer, mesmo que isto custe a negação da realidade e a buscar o prazer como propósito de vida.
Mas, quais são as consequências negativas de tal busca equivocada? Várias! Podemos, didaticamente, enumerá-las:
Insônia e cansaço;
Perda de emprego;
Improdutividade nos estudos;
Perda de concentração e foco;
Isolamento social;
Dificuldades visuais;
Dores articulares (punho, mãos, coluna cervical);
Inibição social;
Baixa autoestima por comparação com as celebridades” de smartphones;
Sensação de dependência do gadget e ansiedade;
Término de relacionamentos, sejam estes de amizade ou amorosos;
Atropelamentos e mortes..
Bem, creio que este elenco basta para refletirmos sobre o que fazer:
Reconhecer-se dependente;
Desejar libertar-se dessa dependência e eliminar os excessos;
Buscar ajuda profissional.
Fácil? Nada é fácil, quando se trata dos dramas humanos. Porém, como tudo na vida, há que se fazer escolhas e fazer uma prospectiva do futuro: Como desejo estar daqui a 1 ano? 2 anos? 5 anos? Escolher e arcar com as consequências dessas escolhas. Plantar sementes de maçãs não nos fará colher bananas.
Learn MoreO que seria do vermelho se todos gostassem do amarelo?
Do alto da minha maturidade, descubro que sou fã de concertos. Sempre admirei a boa música mas, até que minha filha mais velha me convidasse a assistir uma orquestra sinfônica em ação, achava que iria bocejar o tempo todo. Ledo engano!
Surpreendo-me com os códigos da apresentação: a casaca do maestro já me era familiar mas nunca soube o que era um “Spalla” e me admiro quando o regente cumprimenta o primeiro violinista, esse mesmo que entrou sozinho no palco, após todos os outros músicos. Então, o “Spalla” (ombro, em italiano, sobre o qual se apóia a cabeça/regente da orquestra) empunha o instrumento e dá o tom. Os companheiros guiam-se pelos acordes e afinam violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, fagotes… Fagotes? Perco-me, devaneando, sobre o que levaria uma pessoa, mentalmente sã, a estudar…fagote! Desvio meu olhar para os contrabaixos e me pego sorrindo, ao imaginar um músico, com o instrumento às costas, tentando entrar em um ônibus, na hora do rush de uma grande cidade. Simplesmente impossível! Simplesmente impagável! Continuo meu devaneio e fecho os olhos, tentando discernir cada de onde vem cada nota. Verifico que os tons mais agudos são dados pelos violinos. As violas se diferenciam um pouco, na gravidade do som. Mais grave, ainda, são os contrabaixos…e os fagotes…Meu Deus! Percebo que estou implicada com esses dois instrumentos. Talvez por causa do tom grave que exalam, talvez pelo seu tamanho absurdo. Continuo pensando como, de que modo, se leva um instrumento daquele tamanho para casa. Muito mais simples colocar um violino às costas. Majestoso violino, rei da orquestra. Sem ele, penso eu, não dá para fazer muita coisa. Ou dá? Não sei. Sou muito leiga para responder. Presto atenção aos gestos do maestro. Não entendo como o erguer e o abaixar das mãos possam conter notas musicais. Também me pego pensando: “E se tirassem o maestro daquele pequeno pedestal? Haveria música?”. Também não sei responder. Vejo que os músicos se agregam em dueto e compartilham a mesma partitura e que um deles é o responsável por virar as páginas, enquanto o outro toca.
No meio disso tudo, descubro que amo…amo…amo uma música do compositor polonês Wojciech Kilar, intitulada Orawa. A partir de hoje, é a minha preferida. Fecho novamente os olhos e me deixo embalar pela perfeição dos acordes e seus allegros vivaces. Subo e desço, vou para a direita e para a esquerda, para subir novamente. E, no meio de tanta beleza a encher meu hemisfério cerebral direito, descubro que preciso de música clássica. Para tornar meus dias mais alegres, mais serenos, mais risíveis e bonitos. Tanto que digo à minha filha: “Não perca absolutamente nenhum convite do seu professor Maestro, viu? Sempre que ele os distribuir, tenho que assistir a apresentação. Ah!…Aproveita e pergunta pra ele o que leva alguém a estudar…fagote?!?” Rio de mim mesma e dou a resposta: “Que bom que existem os fagotes, para dar o tom grave e o tempero diferente à orquestra. Afinal…o que seria do vermelho, se todos gostassem do amarelo?”
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INVEJA 3
Inveja existe desde que o mundo é mundo. Para os cristãos, não foi outra a incitar Caim a matar seu irmão Abel, que ofereceu suas primícias a Deus e Lhe foi agradável aos olhos. Foi o bastante para que pagasse com a vida essa preferência.
Para a psicanálise, a inveja surge, já, no pós-nascimento. Expulso do ambiente tranquilo em que se encontrava, o bebê é jogado no caos, no qual não consegue nem mesmo diferenciar seu corpo do da mãe e integrar a si próprio no ambiente. Logo, o recém-nascido experimentará o desconforto da fome, da fralda molhada, do frio, do calor. E reagirá com o choro, única forma de comunicar à família que precisa de ajuda. Então, vem a mãe e lhe oferece seu leite e carinho. Mergulhado no caos de sensações, sem conseguir identificá-las e integrá-las, ele, imaginariamente, acreditará que a mãe possui a totalidade das coisas e sentirá que depende dela. Então, desejará acabar com essa dependência, agredindo-a. Mordendo-a. Beliscando-a. Invejando-a, porque ela possui o poder da onipotência. Porque ela vai e volta e, muitas vezes, não está imediatamente à sua disposição. Mas, a destruição é ilusória porque o bebê sente que precisa daquela que agride. Então, suporta sua proximidade e, grosseiramente falando, empurra para debaixo do tapete, seu desejo de destruí-la. E aceita a mãe. E a ama! E interage com ela e os dois vivem seu idílio amoroso.
E, assim, caminha-se pela vida, invejando, posteriormente, o brinquedo do amiguinho, a popularidade da irmã, o carro novo do primo, o emprego da amiga, a extroversão do colega de trabalho…E, caso se suporte um pouquinho que a vida é como é e que as oportunidades podem ser diferentes e que as pessoas são diferentes, então o saldo será positivo. Tipo assim: “Estou, mesmo, com inveja da namorada do fulano. Que gata! O que será que ele fez pra conseguir alguém assim? Mas…vou tratar de olhar pra minha própria vida, pois também tenho o meu valor. Vou tratar de cuidar de mim! E pronto!” Agora, se a inveja levar à ansiedade insustentável, o invejoso criará mecanismos de defesa para expulsar de si o que lhe causa incômodo. Um desses mecanismo se denomina Projeção e pode ser explicitado no seguinte exemplo:
vejo um grupo conversando, um grupo para o qual gostaria de entrar. De repente, alguém olha pra mim e sorri. Sorrio de volta. Eles voltam ao papo e meu imaginário dispara o alarme: estão falando de mim! Não gostam de mim! Ou seja, não admito que desejo o que eles têm, acho melhor imaginar que os culpados são eles. E fica muito difícil conviver comigo, porque vivo projetando minhas fantasias nos outros.
Mas inveja-se o que é bom, bonito, brilhante. Nunca vi ninguém invejar uma vida sacrificada. E, se tal acontecer, acho bom marcar, correndo, uma sessão de terapia.
INVEJA 2
– Sabe o que é? É que não deu muito certo sair por aí, gastando adoidado. Entrei no cheque especial, fiz prestações e tô no vermelho. Por falar nisso, quanto é que você vai me cobrar por sessão, hein?… Como assim, continua falando e a gente vê isso depois? Eu estou sentindo necessidade de fazer terapia, mas preciso saber se vou poder pagar… hein?…Ah, então tá, continuo falando. Mas a verdade é que me sinto meio lesada, sabe? A grama do vizinho sempre me pareceu mais verde do que a minha. É uma sensação que me acompanha desde a infância … Ah, por falar nisso, quanto tempo vai durar meu tratamento?…como não sabe? E se eu ficar aqui muitos anos? …Ah, tá, entendi, vou ter que falar muito, né, te contar coisas do arco da velha. Então, tá, continuemos pois. Desde menina eu brigava muito com a minha irmã, ela me passava a impressão de que sempre se saía melhor do que eu, em tudo. Ela tinha amigas que telefonavam lá prá casa todos os dias, tinha o estojo e o cabelo mais bonito do que os meus e era mais paparicada. Outro dia, conversando sobre isso com minha mãe, eu falei dessa minha impressão e ela, sempre politicamente correta, me disse: “não, que é isso, foi só impressão sua, eu e seu pai sempre te tratamos de forma igual à sua irmã, sempre amamos vocês igualmente.” Daí eu te pergunto: existe isso, de amar os filhos igualmente? Eu vejo lá em casa, tenho 3 filhos. A menina… moça, aliás… bate de frente comigo todos os dias. Tudo que eu falo ela despreza. Já cheguei a achar que ela tinha inveja de mim. O quê? Se eu tenho inveja dela? Ah!…não sei…talvez…talvez da sua juventude…É claro que a amo, mas é uma relação mais difícil. Já com os rapazes é tudo mais tranquilo, eles são mais amorosos, me consideram mais. Sabe que já tive um pensamento meio doido? Cheguei a pensar que gostaria que eles não se casassem pra ficar tomando conta de mim a vida toda. Louco, né? É por isso que tô aqui…mas eu acho que sou uma louca mansa…ha, há, há, há… tem gente pior por aí…É isso que você quer que eu faça? Falar o que me vem à cabeça? Tá bom, mas eu ainda não entendi direito esse negócio…mas já que você diz…então tem o marido…ele é um homem bom, legal, mas eu me pergunto onde a gente se perdeu…você conhece a história da Shirley Valentine? Ah, conhece? Então você sabe do que estou falando…hein?… Falar mais sobre isso…não, é que eu sonho, às vezes, com liberdade, com viagens prá Grécia, com viagens para fora da minha vidinha insossa…não é que minha vida seja ruim, não, mas é que eu quero muito mais. O quê? Já acabou? Passa rápido, hein? Ok, então até a semana que vem. Bonito o seu divã, hein? Queria ter um igual.
Fechei a porta e pensei comigo: “Ai, ai, ai…vou ter que estudar algumas coisas sobre inveja…”
Learn MoreINVEJA 1
De repente, pegou-se invejando tudo e todos. Tinha inveja da cinturinha de pilão da vizinha, da mansão da irmã, do casamento da colega de trabalho, das roupas da amiga, do salário da chefe…todas mulheres, todas convidadas para uma festa espetacular que ela assistia com o nariz colado na vidraça.
Olhando-se de fora, sua vida era boa e calma, com mil atribuições e muita correria, mas nada de absurdo ou de insustentável. Como dizia São Tomás de Aquino, “o bem alheio é considerado um mal próprio” e “a inveja é a tristeza em relação ao sucesso dos outros”. Nada como um santo para definir bem o que ela sentia. Sim, mas a definição não a ajudava em nada, quando vinha a sensação de borbulhamento no peito, queimando como um ácido, quando seu olho gordo batia nos jardins da casa da irmã. Não gostava da sensação, era incômoda. E, depois, vinha a culpa, sua eterna companhia desde que se entendera por gente.
O que fazer se o sentimento havia eclodido subitamente, sem que ela tivesse podido detê-lo? Não sabia, não entendia, queria sumir.
Em qual filme, mesmo, havia a fala: “você cobiça o que vê todos os dias”? Ah, Hanibal Lecter (Anthony Hopkins), de O Silêncio dos Inocentes, quando traçava o perfil psicológico do serial-killer para Clarice Starling (Jodie Foster). “Você cobiça o que vê todos os dias”.
Mas, por causa disso, não iria sair matando todo mundo. Achou melhor estourar o cartão de crédito e traçar um sorvete triplo.
E eu, cá comigo pensava: “Hum…isso não vai dar certo…” Será? Veremos nas cenas dos próximos capítulos.
Learn MoreA minha, a sua, a nossa criança interior
Sim, existem pais que, segundo o ponto de vista dos filhos, frustraram suas expectativas, ao não lhes dar o que necessitavam. São aqueles que criticam, não elogiam, que exigem a perfeição, criando no filho a impressão de que ele nunca é e nunca faz o suficiente. São pais que têm dificuldade para olhar no olho, que não conseguem escutar os sentimentos expostos, que deixam os pequenos se virarem, quando ainda estão em formação da personalidade. Falta chão, parede e teto a esses filhos, porque carecem de um adulto responsável, amoroso e disponível, no qual se apoiar.
O que muita gente não sabe é que a vida pode ficar estagnada porque a criança interna está descuidada. Esses adultos infantis não prosperam, não passam no vestibular, não conseguem manter relacionamentos amorosos satisfatórios, não ganham dinheiro, não têm boa autoestima e aceitam migalhas de todos, para não morrer de fome; em suma, não deslancham em uma ou mais áreas da vida, sob a tutela de uma nuvem cinzenta que lhes acompanha diuturnamente. Não cabe juízo de valor sobre os motivos desse comportamento paterno, pois não sabemos as circunstâncias em que os fatos se deram. Talvez – é uma hipótese – os pais não tenham recebido de seus próprios pais. E esses, por sua vez, também podem ter crescido carentes e, por isso, não amadureceram. Então, não poderiam, mesmo, dar o que não têm. Logo, o que aparece é a ferida exposta e sangrante.
No filme Duas Vidas, lançado em 2000, o personagem de Bruce Willis, Russ Duritz, tem a chance de se encontrar com seu pequeno “eu”, aos 8 anos de idade. Uma criança que foi marcada pelo medo intenso do pai, ao perceber que sua esposa estava morrendo e que teria que criar sozinho os filhos pequenos. Russ adquire um tique facial, no momento em que o pai, apavorado, lhe revela a doença da mãe. Além dessa aquisição física, Russ torna-se um homem arrogante e hipócrita, armaduras contra a sua natureza afetiva. O filme é emocionante e demonstra, claramente, que podemos revisitar o passado – senão literal, pelo menos simbolicamente – e colocar no colo aquela criança, carente emocionalmente.
Uma ferida dói. Todos já nos ferimos. Os profissionais de saúde sabem que, para haver cicatrização, é necessário limpar bem a chaga e extirpar toda secreção ou sujeira. Enquanto se limpa a lesão, sentimos dor. Mas só assim haverá reparação completa dos tecidos.
Limpar a ferida emocional requer falar sobre ela, “dar nome aos bois”, nomear os sentimentos, metabolizá-los e drená-los de forma eficaz; Requer pesquisar o passado de seus próprios pais e reconhecer que eles, provavelmente, também têm chagas não tratadas; Requer sair da posição de vítima e deixar de execrar o suposto vilão, fazendo as pazes com quem lhes deu a vida, ainda que isso possa parecer complicado. E requer assumir a responsabilidade pelo autoconhecimento, de modo a passar da infantilidade para a “adultice”.
Todos esses aspectos são abordados pela Psicoterapia Breve, que, como o próprio nome diz, demanda um tempo menor de tratamento, mas não precisa ser apressada. Que obedece a um tempo interno, não ao tempo cronológico e, portanto, pode durar alguns meses, dependendo da profundidade da lesão. De qualquer forma, o primeiro passo é COMEÇAR!
*Constelação: http://psicologia.escritaquecura.com.br/constelacoes/
Sobre a negação da morte e a beleza das flores
Depois de amanhã, na ressurreição, tudo será festa e o sol brilhará mais forte. Depois de amanhã…porque, agora, gostaria de falar sobre esse assunto tão desagradável e tão presente em nossas vidas.
Dizer que a morte é a única certeza que temos é frase feita e não nos toca quase nada, a não ser que a pessoa que partiu seja um ente muito querido. Então, entre lágrimas e soluços, nos pegamos a pensar: Qual o sentido disso? Pra que viver, se todos morreremos? Poderia ter sido de outro jeito? Será que quando nossa hora chegar, não haverá, mesmo, nada a fazer? Mil elucubrações mentais que não nos aliviam no momento da dor.
O cenário tem um efeito contrário para Freud. Para ele, a finitude da beleza aumentava o seu valor: “Uma flor que dura apenas uma noite nem por isso parece ser menos bela”, diz ele. Sábio Freud! Abrir-se à irreversibilidade do tempo significa abrir-se para a possibilidade de desfrutar o instante presente, sem ter a necessidade desesperada de garantias futuras. Aceitar o que vem e o que vai, na paz da alma, significa, simplesmente, viver as possibilidades que se apresentam, sem pressa, sem expulsão, sem negação. Aceitar, simplesmente. E deixar fluir…
Uma demanda de amor
A senhora de 65 anos, funcionária durante anos naquela instituição pública, perguntou à enfermeira em que data seria aplicada a vacina antigripal. A moça informou-lhe que ainda não havia sido definido o período. Foi o bastante para que ela disparasse, exaltada:
– É um absurdo o que vocês fazem com os aposentados! Como é que essa Casa se esquece assim da gente? Eu vou fazer uma reclamação, porque vocês deveriam comunicar a todos os aposentados sobre os programas de saúde que fazem aqui. Eu sei que tem muitos! Mas…não! Vocês não avisam nada! Eu vou reclamar disso!