
Metamorfose
Aceitava migalhas. Dos pseudoamigos, das pseudo-namoradas, de todo mundo. Não era prazeroso receber quase nada, mas era melhor do que ser esquecido e rejeitado. Sentia-se inadequado e, por isso, era muito disponível. Colocava os desejos alheios à frente dos seus, até porque nem sabia que desejos tinha. Tanto que protelava, postergava, empurrava com a barriga as atividades que poderiam trazer-lhe sucesso e bem estar. Estava triste, reclamão, vitimizado por si próprio. Então, escondeu-se atrás de uma camada grande de gordura, que lhe servia de isolante perante às relações interpessoais. Devorava pizzas e lazanhas industrializadas, sozinho, no pequeno apartamento em que vivia, em frente à televisão, que lhe mostrava uma vida feliz, à qual não tinha acesso. E assim, viveu por anos, como um gato correndo atrás do próprio rabo.
No começo da psicoterapia, pensei: “o que vou fazer com esse moço? Como vou conseguir levá-lo à reflexão de que temos que ser responsáveis por nossas escolhas e que o papel de vítima esconde alguém que não quer arregaçar as mangas e trabalhar?
Foi preciso tempo, um ano inteiro de sessões semanais. Foi preciso a formação de um vínculo forte, em primeiro lugar, no qual ele sentiu que eu não o julgaria, não condenaria, não me assustaria com nada do que ele me dissesse. Foi preciso acolhê-lo na sua dor, que havia tido início na adolescência, ainda que ele mesmo não se desse conta disso. Foi necessário voltar lá atrás, nos primórdios de sua existência para, pouco a pouco, senti-lo se posicionar e dispensar os parasitas que o rodeavam. Abandonar vínculos tóxicos que lhe davam a falsa sensação de pertencer. Eu o vi tomar a decisão de eliminar os pesos da vida, emagrecer, mudar para um apartamento mais colorido, mais arejado e mais iluminado e apresentar trabalhos na universidade, situação que havia postergado insistentemente. Na última sessão, estava sorridente, leve, a expressão facial serena de quem descobrira que poderia se apossar de si mesmo. Ainda com medo, claro – afinal, só os idiotas não têm medo! Mas muito mais assertivo e senhor de si.
Estou ansiosa pela próxima sessão!
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